Há poucos dias, recebi um e-mail curto e grosso de um departamento específico da Polícia Civil carioca. A resposta veio imediatamente após o envio de um pedido de ajuda para conhecer sobre uma determinada área de investigação, assunto que venho pesquisando para meu próximo trabalho — Sim! Já estou planejando o novo livro de mistério.
Inicialmente, a agilidade ao tempo de resposta da polícia me entusiasmou um bocado, porém o conteúdo da mensagem extirpou o sorriso animador que decorava meu rosto. Minha petição havia seguido a cartilha básica de simpatia e persuasão: uma breve apresentação de quem sou e os motivos pelos quais entrava em contato com eles, porém…
Prezada senhora,
Nossos agentes policiais estão em diligência e não podem atender sua solicitação.
Decepcionada? Claro que fiquei. Não houve um ao menos ‘obrigado pelo interesse em nossos serviços à comunidade, mas infelizmente no momento…' Tudo certo, não sou criança e sobrevivi à negativa.
Dias depois, passeando pelo vasto catálogo da Netflix, encontrei um filme que me chamou atenção pelo enredo. Onde o segredo se esconde (Brazen, título original) conta a história de Grace Miller, uma escritora de livros de mistério, famosa pelo seu instinto para resolver crimes, e acaba se envolvendo com a investigação do assassinato da própria irmã.
Apertei o play, mesmo com indícios de que perderia o meu tempo. Antes, havia checado a classificação no IMDB, eram míseros 4.2/10, contudo, minha curiosidade falou mais alto.
O filme começa com Grace viajando para visitar a irmã que vive em outra cidade. Hospeda-se na casa dela, conhece e se envolve romanticamente com o vizinho Ed, um charmoso policial que está de recesso depois de solucionar um complicado homicídio. Eis que a irmã de Grace é assassinada e ela entende que sua vasta experiência em solucionar crimes ficcionais pode ser útil a Ed, designado na investigação do caso.
Minha vergonha alheia chegou ao cume quando Grace vai à delegacia oferecer sua consultoria à chefe de Ed. Os argumentos narrados num diálogo surreal foram insanos e cômicos, e adivinhem… a delegada aceitou, além de considerar a ideia espetacular, do tipo: ‘por que nunca pensamos nisso?'. Para completar a cena estapafúrdia, a delegada ainda bajulou a autora, afirmando que era sua fã e que havia lido todos os seus livros.
Não teve maneira de não relacionar a cena do filme com a negativa da polícia carioca recebida dias antes. Fiquei imaginando como seria uma visita minha à 12ª DP da Hilário de Gouveia em Copacabana, para oferecer meus serviços de consultoria ao delegado interino.
Mas a vida é feita de surpresas, não é mesmo? A ironia dessa ficção contrastando com a resposta policial à minha consulta foi ampliada pela descoberta de um fato curioso enquanto lia o livro "Os Pecados de West Heart" de Dann McDormann. A obra, para lá de diferente, que mescla capítulos com a trama principal, reflexões do narrador onisciente e um estudo sobre a literatura policial do início do século XX, trouxe à luz o envolvimento da autora Dorothy Sayers na investigação do desaparecimento real, por 11 dias, de Agatha Christie.
De acordo com Dann McDormann (imagino que ele tenha pesquisado esta informação para incluí-la na obra), na ocasião das investigações do paradeiro da dama do crime, Dorothy Sayers, renomada autora de mistérios, fora convidada pelo jornal The Daily News a examinar a cena do desaparecimento, local onde seu carro fora abandonado, oferecendo uma perspectiva única da barreira entre ficção e realidade.
“Em qualquer problema desse tipo, as possíveis soluções são quatro: perda de memória, crime, suicídio ou desaparecimento voluntário.”
Dorothy Sayer, no trecho do livro Os pecados de West Heart
Está certo de que não foi a polícia quem chamou Sayer para opinar sobre o caso. De qualquer maneira, não se deve desmerecer o fato de uma especialista, em ficção criminal ter dado pitacos detetivescos em um caso real, mostrando que, mesmo operando em esferas distintas, a ficção policial e as investigações reais, em algum momento da história, se cruzaram de maneira inesperadas, com suas limitações, evidente.
Considerações finais
Sobre perder ou não tempo ao assistir um filme considerado ruim pelos críticos, posso afirmar ganhei um excelente material para minha newsletter.
Quanto a minha pesquisa junto ao departamento de polícia, não desisti, encontrei outros meios para sanar minhas dúvidas e curiosidades.