No Dia da Mentira, a Janela Livraria surpreendeu-me com um convite para entrevistar Raphael Montes em um evento programado para o dia seguinte. E não, definitivamente não era uma pegadinha. Tive que correr para devorar "Uma Família Feliz", que estava na minha lista de "esse é o próximo", pois precisava estar bem preparada para mediar o bate-papo entre o autor e seus fãs após as sessões especiais de pré-estreia do filme homônimo. O evento, uma colaboração entre a Janela Livraria, a editora Companhia das Letras e a Pandora Filmes, ocorreu na Estação Net Gávea.
Imersa no mais recente suspense psicológico de Raphael Montes, acabei substituindo 'Dias Perfeitos' — meu favorito até então — por 'Uma Família Feliz'. Este livro nos convida a questionar a autenticidade daquela imagem de 'família perfeita' que os comerciais de margarina têm perpetuado por décadas.
Eva, nossa protagonista, parece ter uma vida perfeita: marido dedicado e advogado em ascensão, filhas gêmeas maravilhosas e uma carreira de sucesso como artista de 'reborn'. Residindo em um condomínio encantador na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e cercada por amigos queridos, sua existência parece ser o retrato de felicidade. No entanto, essa perfeição é posta à prova com a chegada de uma gravidez inesperada, mergulhando Eva nas complexidades e inseguranças da maternidade. O livro ganha novas camadas à medida que Eva enfrenta uma severa depressão pós-parto, desestabilizando profundamente sua vida cotidiana e seus laços familiares. Raphael Montes aborda essas questões com uma responsabilidade e sensibilidade notáveis, demonstrando que a autenticidade na literatura transcende gênero, raça, credo ou qualquer outra ideologia. Mergulhando nessa narrativa, surpreendi-me várias vezes esquecendo que ela fora escrita por um homem, tamanha é a empatia e profundidade com que trata temas tão delicados. Um feito literário espetacular e tocante.
A decisão de Raphael Montes de iniciar "Uma Família Feliz" pelo último capítulo é uma escolha narrativa que desafia audaciosamente nossas percepções. Ao depararmo-nos com Eva em um momento de extrema tensão, somos instintivamente levados a formar julgamentos precipitados. A introdução com uma cena chocante provoca uma reação imediata, mas, à medida que a história se desenrola, é revelado que as aparências podem ser enganosas. Este início provocativo serve como um lembrete poderoso de que a verdade raramente é tão simples quanto parece à primeira vista
A obra mergulha em temas de extrema relevância, tratando de maternidade e o rápido julgamento social, expande suas fronteiras ao abordar a complexa política de cancelamento e os desafios do linchamento digital. Esses elementos tecem um pano de fundo contemporâneo refletindo desafios do mundo atual sobre a rapidez com que julgamos e condenamos nas redes sociais.
Da telona ao papel
Em 4 de abril, "Uma Família Feliz" estreou nos cinemas de muitas cidades do país. Curiosamente, embora o livro tenha sido lançado anteriormente, Raphael Montes revelou em nossa conversa que a inspiração para escrevê-lo surgiu apenas durante as filmagens. Este processo marca uma abordagem distinta de seus projetos anteriores, proporcionando a ele uma experiência única de explorar a liberdade criativa oferecida pela literatura, desvinculada das limitações de um roteiro.
"Uma Família Feliz" é o primeiro roteiro autoral do autor e foi o primeiro que escreveu, em 2016. Após completar a escrita, Montes apresentou-o a José Eduardo Belmonte, diretor que prontamente demonstrou entusiasmo pelo projeto. A escolha de Grazi Massafera para dar vida à protagonista Eva foi quase imediata, e a atriz aceitou o desafio sem hesitar. Com o roteiro em mãos, um diretor visionário e uma protagonista definida, o trio tinha case tudo o que precisava para levar a história às telas, faltavam apenas alguns pequenos grandes detalhes para iniciar as filmagens, o que veio acontecer anos depois.
Grazi Massafera, no filme "Uma Família Feliz", mais uma vez reafirmou seu imenso talento. Embora o gênero seja suspense, Grazi soube explorar profundamente a dimensão dramática do roteiro, transmitindo a intensidade da dor de sua personagem em cenas que demandavam extrema delicadeza e força emocional.
Reynaldo Gianecchini, assumindo o papel do patriarca desta família aparentemente ideal, mostrou-se completamente confortável e convincente. Interpretando um pai zeloso e um marido afetuoso, ele habilmente revelou, em diversos momentos, as contradições de um homem moderno que ainda flerta com a insensibilidade e o machismo.
Alguém tem que trabalhar de verdade enquanto sua mãe brinca de boneco, né filho?
Vicente, personagem de Reynaldo Gianecchini
A adaptação escolheu Curitiba como cenário, em lugar do Rio de Janeiro, onde a história original é ambientada. O filme foi gravado em um condomínio residencial que, apesar da mudança geográfica, conseguiu preservar a essência dos desafios e das tensões decorrentes da vida em uma comunidade obcecada por manter aparências — um elemento crucial da narrativa. A escolha de Curitiba foi motivada por questões técnicas e legais que tornaram inviável a produção no Rio.
É sempre bom lembrar que, como acontece em muitas adaptações, o livro oferece uma riqueza de detalhes e profundidade na trama que só a literatura pode fornecer. Contudo, ambas as formas complementam-se de maneira singular, abrindo espaço para reflexões distintas sobre os temas abordados. Assim, não deixe e explorar as duas perspectivas!
Uma semana de estreia para não esquecer
Após as duas sessões realizadas na Estação Net Gávea em 2 de abril, recebi um novo convite para mediar o bate-papo ao término da sessão de sexta-feira, dia 5, porém em um cenário diferente: no Kinoplex do Shopping Rio Sul. Embora o dia, a hora e o local tenham mudado, a reação de surpresa e incredulidade dos fãs ao final do filme permaneceu inalterada, mesmo entre aqueles que já tinham lido o livro. Os motivos por trás dessa reação unânime são demasiado reveladores. Não pretendo dar spoilers.
O que Esperar? Se ainda não leu o livro ou assistiu ao filme, se prepara: vai ser uma viagem e tanto. E se já leu o livro, o filme vai te dar uma nova visão dessa história que a gente já ama.
Mudando de assunto, tenho uma novidade incrível para compartilhar com vocês, que colocou a cereja no topo de uma semana já memorável imersa na obra de Raphael Montes. Na sexta-feira, dia 5, recebi a notícia de que meu projeto de adaptação do meu livro "Crimes em Copacabana" foi selecionado pela curadoria do evento Rio2C para participar do Pitching Editorial que ocorrerá na primeira semana de junho. Dentre tantos candidatos, fico feliz que os argumentos apresentados por mim se destacaram dentre tantas obras que com certeza também são promissoras.
Estou ansiosa para levar vocês nessa jornada comigo e compartilhar cada passo desse processo conforme as coisas forem se desenvolvendo. Fiquem ligados!
Que maravilha essa news, Lu. Um evento e tanto com o Raphael Montes. E a notícia do pitching me deixou muito feliz!!!! Colhedo frutos de seu trabalhop de anos, amiga!!! Parabéns.