Nunca julgue um autor por um único livro
#71 — Cara Hunter na Bienal e minha experiência com sua escrita
Foi impossível não me animar quando a Bienal do Livro do Rio anunciou que Cara Hunter estará entre as atrações internacionais deste ano. Justamente agora que acabei de ler seu segundo livro e tive uma experiência de leitura que me fez refletir sobre o impacto de narrativas seriadas e os riscos que os autores assumem ao construir um universo de longo prazo.
O que primeiro me conectou à escrita de Cara Hunter foi o fato de ela ambientar suas histórias em Oxford, cidade que conhece profundamente. Me identifiquei porque faço o mesmo nos meus romances policiais, explorando o Rio de Janeiro com familiaridade. Esse olhar atento para os cenários torna as histórias mais imersivas, trazendo um realismo que aproxima o leitor da trama.
Minha experiência lendo Cara Hunter
Quando comecei Onde Está Daisy Mason?, percebi rapidamente que seria uma leitura que me faria refletir, não apenas pela trama intricada, mas também pelas escolhas narrativas da autora.
Hunter criou um universo complexo dentro do Departamento de Investigação Criminal do Distrito Policial de St. Aldate’s, em Oxford. O inspetor detetive Adam Fawley comanda uma equipe composta por Gareth Quinn, Chris Gislingham, Verity Everett e Erica Somer, cada um com seus próprios conflitos e desafios pessoais. Essas subtramas aprofundam os personagens e enriquecem a narrativa, mas, durante a leitura, me perguntei se todas as histórias estavam organicamente ligadas ao mistério central ou se algumas poderiam acabar diluindo o foco.
Além da complexidade dos personagens, a trama me intrigou pelas múltiplas possibilidades de desfecho. Como autora, minha tendência é cortar informações que não impulsionam a história, então passei boa parte do livro avaliando se Hunter pecava pelo excesso.
Quando terminei o livro, uma dúvida persistente ficou martelando na minha cabeça. A trama policial teve um desfecho muito bacana, mas algumas questões foram pouco exploradas. O que me levou a pensar: eram realmente necessárias? Ou poderiam ter sido retiradas sem prejuízo à história? Mas, caramba… eu tinha acabado de ler um best-seller internacional, de uma autora consagrada, que vendeu mais de um milhão de exemplares e foi traduzida e publicada em 27 países. Como eu ousava questionar sua construção narrativa? Algo não encaixava.
Foi quando caiu a ficha: Hunter criou uma série de seis livros protagonizados por Adam Fawley, e seguramente as respostas estariam nos volumes seguintes.
O risco das narrativas seriadas
A estrutura narrativa seriada tem um público específico. Muitos leitores preferem histórias fechadas, sem pontas soltas ou ganchos para continuações. Eu mesma sou assim. Mas, ao terminar Onde Está Daisy Mason? e perceber que havia peças soltas, essa sensação me impulsionou a ler Em um Porão Escuro. E foi então que entendi: tudo estava meticulosamente planejado. Nada havia sido esquecido ou inserido sem propósito — apenas aguardava o momento certo para ser explorado.
Isso me fez refletir: manter certos elementos “guardados” para livros seguintes pode ser uma escolha inteligente, mas também um risco. Se o primeiro livro não convencer o leitor, ele pode não avançar na série. No meu caso, valeu a pena insistir. Mas e para quem não tem essa paciência?
Se você é do tipo que evita séries de livros porque gosta de histórias fechadas, eu tenho uma boa notícia: Cara Hunter tem um livro isolado.
Assassinato na Família combina true crime e ficção ao narrar a produção de um documentário sobre um crime não solucionado, que reabre o passado e traz à tona segredos que nunca deveriam ser revelados. O livro está em pré-venda, com lançamento programado para o dia 23 de abril — ou seja, dá tempo de ler antes da Bienal.
A série Adam Fawley
Os livros de Cara Hunter são publicados no Brasil pela Editora Trama. Dos seis volumes da série, apenas os três primeiros já foram traduzidos para o português.
Onde Está Daisy Mason? (Close to Home, 2017) Durante uma festa em casa, Daisy Mason, de oito anos, desaparece. Enquanto a polícia investiga, segredos obscuros começam a vir à tona, revelando que nem tudo é o que parece na aparentemente perfeita vizinhança.
Em um Porão Escuro (In the Dark, 2018) Uma mulher e uma criança são encontradas trancadas no porão de uma casa. O dono da residência nega qualquer envolvimento, mas a equipe de Fawley logo descobre que há muito mais por trás desse caso do que imaginava.
Sem Saída (No Way Out, 2019) Um incêndio devastador destrói uma família. Fawley e sua equipe precisam desvendar o que aconteceu, enquanto tentam localizar uma criança desaparecida no meio da tragédia.
Os outros livros da série, ainda não traduzidos são:
Pura Raiva (All the Rage, 2019) O desaparecimento de uma adolescente que volta sem explicações e recusa-se a contar o que aconteceu.
Toda a Verdade (The Whole Truth, 2021) Fawley enfrenta um caso complexo envolvendo acusações de assédio sexual em uma universidade de Oxford.
Sem Culpa (Hope to Die, 2022) Um crime antigo ressurge, levando Fawley a reabrir um caso que todos acreditavam estar solucionado.
Um evento imperdível na Bienal do Livro
E se eu fosse mediar o encontro de Cara Hunter na Bienal do Livro Rio? Já tenho algumas perguntinhas que faria para ela:
Quando escreveu Onde Está Daisy Mason?, já tinha todos os seis livros desenvolvidos? Sabia exatamente como e quando usaria cada elemento ao longo deles?
Você teve receio de perder leitores pelo caminho ao deixar certos aspectos sem resolução imediata?
Seus livros mesclam investigação criminal, mídia sensacionalista e impacto das redes sociais. Como você enxerga essa interseção entre crime e opinião pública na era digital?
Adam Fawley é um protagonista cativante, mas os outros personagens também têm grande destaque nas obras. Foi uma decisão planejada desde o início ou aconteceu organicamente ao longo da série?
Se você tivesse a chance de perguntar algo para Cara Hunter, o que seria?
Me conta, vou adorar saber! 😉