Olá,
Quando eu era criança, na época da escola, cansei de ver colegas perdendo o recreio por mau comportamento. Eu mesma fui premiada com tal privação. Ficava revoltada quando isso acontecia, afinal, tudo não passava de uma conspiração. Uma vingança de certos professores que não iam com a minha cara.
O tempo passou e tenho consciência da adolescente que era. É claro que fui merecedora de todos os castigos que recebi na minha vida escolar. Eu não era fácil.
Contudo, o que me indigna não é o fato de ter recebido as punições, essas eu as mereci, mas a maneira como era castigada. Eu era mandada para a biblioteca durante o recreio.
Biblioteca era sinônimo de castigo, de mau comportamento.
Essas lembranças vieram à tona há algumas semanas, quando, folheando um portal de notícias, me deparei com a matéria de uma professora que havia aplicado a mesma punição a um aluno do ensino médio.
Mas por que estou trazendo esse assunto de castigo em bibliotecas em uma newsletter que se propõe a falar sobre entretenimento policial? Peço desculpas a você, assinante, e licença para tal abordagem, porque hoje, quero usar este canal para um desabafo.
Vamos aos fatos.
No início de julho, o comunicador digital Felipe Neto veio a público, através de sua conta no X, criticar os preços dos livros no Brasil. Empregou a frase "uma mistura de ganância com burrice" para embasar seu achismo.
Felizmente, pouco tempo depois, André Conti, editor da Todavia, expressou sua opinião sobre o ocorrido, em um excelente texto publicado na Folha de São Paulo.
Conti desmembrou os custos, analisou os números do mercado em um artigo de leitura obrigatória para todos que desejam se aprofundar no assunto, principalmente para aqueles que curtiram o tweet do Felipe Neto ou concordaram com ele.
Infelizmente, o acesso ao artigo de Conti na Folha de São Paulo é restrito aos assinantes do jornal. O que é uma pena. Uma restrição desonesta para um assunto tão importante. Mas, caso você seja assinante, compartilho o link da matéria.
Quero deixar claro que minha indignação não se dirige àqueles que fazem parte de uma terrível estatística de pobreza. Pessoas, que trabalham durante o dia para comprar o jantar da noite. Para essas pessoas deixo minha solidariedade, pois sei que não são apenas livros os artigos inacessíveis.
Minha indignação é direcionada àqueles que insistem na falácia sobre a suposta ganância do mercado editorial, porém frequentam cinemas com pipoca, se reúnem para um chopinho com petiscos e frequentam salões de cabeleireiro. Afinal, quanto se gasta para levar a família ao cinema em um final de semana, ou com a manicure semanalmente?
Minha vontade em escrever este artigo aumentou quando assisti a um fórum no Rio International Publishers Summit, evento realizado pelo SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) durante a Bienal do Livro do Rio. Na ocasião, a mesa foi mediada por Guilherme Sabota, da PublishNews, e contou com a participação do próprio André Conti, além de Lizandra Magon, da editora Jandaira, e Mariana Bueno, da Nielsen.
Com o título "O livro é realmente caro no Brasil?", o debate começou exatamente pela polêmica criada pelo Felipe Neto. Foi uma grande oportunidade ouvir as opiniões de André Conti, que refutou o youtuber.
Tendo a certeza de que muitos não terão acesso ao artigo do Conti na Folha de S. Paulo, aproveito esse canal para mostrar um pouco da minha realidade, como autora independente. Assim, abrirei os números, numa conta rápida, do meu último suspense policial: Aquilo que Nunca Soube
Para a preparação do texto, foram gastos R$ 8.000 em mentoria de escrita, duas leituras críticas e duas revisões ortográficas.
Para a divulgação do livro, R$ 6.000 em mentoria de marketing de vendas, assessoria de imprensa, parcerias e brindes.
Para a preparação do e-book, R$ 1.500 com design de capa e diagramação do arquivo.
Produzi também folhetins, com os dois primeiros capítulos do livro, para serem distribuídos gratuitamente em feiras de livros. Considerando custos de diagramação e impressão, mais R$ 1.500.
Para um e-book publicado na Amazon, plataforma que não cobra absolutamente nada do autor, meu gasto total, antes mesmo do dia do lançamento, foi de R$ 17.000,00.
Aquilo que nunca soube que concorre ao 8º Prêmio Kindle de Literatura está sendo vendido por R$ 18,90. Um McOferta, nesse exato momento, no iFood, está por R$ 39,10.
Enquanto os castigos escolares significarem ter que ficar na biblioteca durante o recreio, e as recompensas incluírem lanches de fast-food, as pessoas continuarão acreditando que os livros são caros.
Talvez, e somente talvez*, a percepção sobre o custo do livro no Brasil seja apenas uma questão de prioridade.
*contém ironia
Eu sou Luciana de Gnone, autora de ficção policial. Tenho seis livros publicados, todos protagonizados por mulheres.
Gostei da sua abordagem Lu. Publicar um livro custa muito caro mesmo.
Nós autoras independentes sabemos disso, pois assumimos o custo integral.
Contudo, acho importante que surjam mais oportunidades nas editoras para novos autores, pois muitos autores talentosos realmente não podem assumir nem um terço do custo do seu livro no KDP.
Falo oportunidade real, não a "gincana digital" da Cia das Letras.
Lu, muito bom você voltar a bater nesta tecla. E que generosidade a tua abrir seus custos. Mesmo que não fosse possível abrir planilhas, o livro não é caro, a nossa tabela de valores é que é invertida, um livro custa menos que um lanche! Levanto outra vertente neste debate: falta-nos políticas públicas para que o livro seja acessível a todos, para que a leitura seja um alimento também, alimento intelectual, de formação, de prazer, de descoberta e cidadania. Aí sim, criado, estimulado e fortalecido o hábito de leitura, cria-se o círculo auspicioso da indústria editorial.