O silêncio pesado se instalou nos corredores da maternidade. Um notável contraste com o tumulto que o precedeu. O local, palco de inúmeras despedidas, agora assistia a uma cena peculiar: uma família fragmentada, emergindo do caos, caminhava em direção à saída, carregando nos braços um bebê lindo e saudável.
Nove meses antes, o casal maduro, juntos há duas décadas e com três filhos quase criados, fora surpreendido pelo destino que lhes apresentava uma carta escondida: uma gravidez.
O choque e desolação deram lugar à perspectiva de um recomeço, trazendo de volta uma familiar rotina que, num primeiro momento, não era bem-vinda. Mas, eles se prepararam adaptando o apartamento, e suas vidas, para dar lugar a mais um.
O nascimento aconteceu seguido de um parto rápido, e com ele a confirmação de um bebê saudável. Mas a serenidade da madrugada era enganosa e a mãe, agora, enfrentava a presença do médico, portador da verdade que ela há tempos conjecturava. As paredes daquele quarto seriam as primeiras testemunhas da revelação a qual levaria a família à beira do abismo.
Atormentado e certificando-se que estavam à sós, o médico balbuciou “Precisamos conversar”…
Imagine estar lendo um romance e se deparar com parte dele selado, levando-o a uma encruzilhada: romper o lacre e ler as páginas finais ou retornar o livro para a livraria e receber o dinheiro de volta. O que você faria?
Em 1929, durante a Era do Ouro do Romance Policial, a editora Harper & Brothers (1833–1962) — atual HarperCollins — adotou uma criativa estratégia de marketing, que impulsionou as vendas e promoveu um engajamento único de suas obras de mistérios ao longo de seis anos.
O Sealed Mysteries foi uma série de livros de mistérios, publicados com uma peculiaridade: as últimas cinquenta páginas eram seladas. Se o leitor quisesse continuar a leitura e saborear o clímax era obrigado a romper o selo. Se não, se conseguisse resistir à tentação de descobrir o desfecho da trama ou se por ventura não tivesse sido fisgado pela narrativa, poderia devolver o livro ao livreiro e receber o reembolso total, mas somente se o selo estivesse intacto.
Nos primeiros meses de campanha, a Harper & Brothers vendeu cerca de 60 mil cópias e vangloriava-se de ter tido apenas três delas devolvidas. Por mais que eu tenha pesquisado sobre o tema, para escrever esta edição da #evidenciando, não consegui encontrar relatos sobre o impacto que esta campanha inovadora, adotada há quase um século, teve no mercado editorial da época, cabendo apenas usar o meu imaginário para preencher essa lacuna.
Desafiar leitores entusiastas da ficção policial a resistirem à tentação em desvendar mistérios é brilhante. O que devia passar pela cabeça dessas pessoas? Mesmo tendo consciência do baixíssimo índice dos que resistiam ao desejo, o mero fato de existir a oferta agregava um elemento tentador à experiência da leitura. Uma engenhosa maneira de jogar com a gratificação imediata versus o autocontrole. Só posso concluir que essa estratégia deve ter criado um burburinho inimaginavelmente sobre o experimento, o que por si só era uma baita publicidade.
Durante os anos de campanha, diversos autores tiveram seus livros publicados na série, incluindo o especialista em livros de mistérios locked-room1, John Dickson Carr. Carr teve nove livros publicados nessa dinâmica, começando com o seu romance de estreia It Walks by Night (1930)
Durante a minha pesquisa, encontrei websites que vendem os livros colecionáveis, caríssimos. Alguns ainda com os selos intactos. Confesso que me deu a maior vontade de ter um exemplar para chamar de meu. Também achei um blog interessante que lista em ordem cronológica todas as publicações da série “Sealed Mysteries”. Se você tem curiosidade, basta clicar AQUI.
Fico intrigada em saber qual seria o impacto dessa estratégia nos dias atuais, na Era do acesso imediato, quando praticamente qualquer informação é uma constante na palma das nossas mãos. Em um tempo dominado pela gratificação instantânea, gosto de pensar que introduzir um elemento físico de mistério e a possibilidade de escolha — ler ou não ler o selado — desafiaria o paradigma atual do consumo de conteúdo, capturando a atenção de um público acostumado ao agora. Seria um retorno nostálgico e tangível aos prazeres da provocação.
Por fim, com a ajuda das redes sociais, compartilhar a experiência de "quebrar ou não quebrar o selo", certamente teria um efeito viral. Uma comunidade instigada, amante de suspense, é capaz de qualquer coisa. Consigo até imaginar a #quebreoselo alcançando o topo das mais acessadas. O engajamento poderia revigorar o interesse pelos livros tradicionais, assim como aconteceu, mesmo que em diferentes circunstâncias, com A Mandíbula de Caim, o recente fenômeno relançado pela editora Intrínseca, há 1 ano.
A narrativa interrompida no início desta edição foi baseada de uma história escrita e narrada, há alguns anos, no meu canal do Youtube. O vídeo atingiu mais de 55 mil visualizações, então, se você quer saber o que acontece de tão traumático na maternidade, “quebre o selo” e descubra (clique no link)
Tipo de narrativa policial conhecida por "sala trancada" ou "crime impossível", quando o crime em questão, normalmente homicídio, é cometido em um quarto sem janelas trancado por dentro.
Nunca ouvi falar sobre essa estratégia de MKT. Obrigado por compartilhar, Lu.