Ainda deitado, mas de olhos abertos, via os objetos da sala distorcidos. O cômodo parecia estar em movimento. Sentou-se para ver se a sensação desagradável passava. As peças sobre a estante começaram a criar vida e bailavam, sincronizadas. O helicóptero decolou do alto da prateleira, onde ficava, e começou a dar rasantes pela sala, sobrevoando sua cabeça, obrigando-o a se agachar no chão. De repente, observou a cabine do helicóptero se transformando em uma grande e perfeita cabeça de alho, que sustentava as três hélices, que giravam com velocidade acima do normal.
Momentos depois, a alucinógena aeronave perdeu o controle, chocando-se contra o ventilador de teto e provocando uma grande explosão, com a qual centenas de vespas asiáticas foram liberadas. Desesperado, ele debateu-se como um cavalo indomado. Mexia os braços com movimentos descontrolados. Na ânsia de livrar-se dos insetos, ele agarrava e arremessava o que via pela frente, atingindo o nada. Exausto, deu-se por vencido e caiu no chão, desmaiado. Despertou horas depois, ainda atordoado, e, assim que se deparou com a sala desbaratada, teve uma vaga lembrança do que havia ocorrido ali.
O texto pode parecer um tanto peculiar, mas é um trecho do livro Delito Latente (2020), o terceiro volume da saga de Betina Zetser1. A cena foi transcrita de um sonho que tive em uma das noites durante os meses em que escrevia a obra. No meu caso, inspirações oníricas são mais comuns do que você pode imaginar.
O termo 'onírico' está associado aos sonhos, às fantasias e ao que não pertence ao chamado 'mundo real'.
Sou uma pessoa que sonha muito, muito mesmo. Por inúmeras vezes já aconteceu de eu despertar durante a noite interrompendo um sonho muito bacana e após uma leve concentração, regada de desejo, voltar ao mesmo sonho, de onde havia parado.
Também é comum eu acordar no meio da noite empolgada, tatear a mesa de cabeceira em busca do celular, abrir o aplicativo de notas com apenas um dos olhos abertos para minimizar a luminosidade do aparelho, e anotar alguma inspiração ocorrida durante o sonho: uma palavra, um título, a espinha dorsal de um novo livro ou até mesmo uma cena inteira de algum texto em que esteja trabalhando.
Normalmente, durante o processo de sonolência as idéias são exacerbadas e se mostram geniais, inéditas, criativas. Por isso eu as anoto, porque antes, quando achava que lembraria ao despertar, acabava amanhecendo com a mente em branco e uma profunda frustração.
Porém, preciso confessar que por inúmeras vezes fui obrigada a descartar tal genialidade presenteada pelo divino, porque logo depois de acordar, tomar um bom café e retomar a consciência, percebia que tudo não passava de uma tremenda maluquice. Contudo, considero o saldo positivo e garanto que os meus sonhos são ferramentas poderosíssimas para mim.
No caso da cena transcrita do início desta newsletter, na qual um helicóptero colecionável que enfeitava o alto de uma estante, levantou voo e transformou-se em uma grande e perfeita cabeça de alho, explodindo e liberando vespas asiáticas que partiram para um ataque mortal ao personagem, seguramente teria sido descartada antes mesmo da primeira golada do café matutino, não fosse o fato de, na época em que ocorreu, eu estar escrevendo o livro Delito Latente. A cena descabida favoreceu na composição do antagonista, que sofrendo por uma crise moral, acabou consumindo uma dose cavalar de remédios, ocasionando numa experiência alucinógena. Que sorte a minha.
Sonhos na ficção
O filme A Origem (Inception), estrelado por Leonardo DiCaprio, conta a história de um ladrão que tem habilidades raras de roubar ideias do inconsciente das pessoas, invadindo e manipulando os sonhos delas.
Na trama, Cobb (Leonardo DiCaprio) é um fugitivo da polícia, acusado de matar a esposa que, no passado, se aventurava com ele nas inserções oníricas e acabou perdendo o juízo por não conseguir distinguir sonhos de realidade.
Instigado a executar um trabalho que o permitirá voltar para casa, ele e sua equipe precisarão não roubar, mas inserir um pensamento na mente de um executivo, herdeiro de um conglomerado importante.
O filme pode ser assistido em diversas plataformas: HBO Max, Apple TV, Amazon Prime Video (assinatura premium), YouTube.
Uma obra prima sob a perspectiva de originalidade, fotografia, direção, além da atuação brilhante de todo o elenco. O filme ainda nos presenteia com um roteiro sublime no qual os criadores tiveram uma sacada extraordinária ao explicar algumas percepções que pessoas que sonham costumam ter, como:
a morte súbita que leva ao despertar imediato
a consciência de que se está sonhando
sonhar que está sonhando
a percepção de que o tempo é maior durante o sonho, criando a falsa impressão de que os sonhos duram horas, quando na verdade podem ser alguns poucos minutos.
O mais curioso é que inclui esses quatro elementos no dia seguinte em que rascunhei esta edição, quando, durante a noite, acabei sonhando que escrevia isso no texto. Bem louco, não?
Como é a sua relação com os sonhos?
A trilogia de minha autoria, protagonizada pela fotógrafa/repórter investigativa Betina Zetser, compreende os seguintes livros investigativos: 'Súplica em Olhos Mortos' (2014), 'Vestígios' (2020) e 'Delito Latente' (2020).
Cada obra aborda crimes que abalam a sociedade contemporânea, tratando de questões como escravidão moderna ('Súplica em Olhos Mortos'), ataques com ácido contra mulheres ('Vestígios') e transplantes de órgãos ('Delito Latente')